domingo, 27 de abril de 2008

A POESIA É UMA LADY


A POESIA É UMA LADY
de Tavinho Paes

um dia a poesia saiu às ruas
...e saiu em tempos de ditadura e fuzis
e danada: desabotinou a fazer o que quis
tão infantil, tão espontânea, tão despreocupada
faca cega de lâmina afiada
fazendo da sagrada palavra lixo e sucata!

Peça de dominó que se encaixava ao acaso
Idéia elástica falada que nem chiclete
Que se denta, forma, deforma e masca
A rueira fez do poeta: mascate
Apresentando-o ao esgoto e à latrina,
À cova e ao cadáver

Nem a ditadura conseguiu domesticá-la
A censura das tesouras não conseguiu calá-la
A tortura dos choques e paus-de-arara
Não teve forças para amedrontá-la
E amordaçar sua perversa língua sincopada
Ela tinha a fragilidade do descartável
A emergência de uma sede insaciável
era cobra namorando sapo

Hoje soube de seu falecimento
como quem leva uma bala na cara
a controgosto devo prestar-lhe
minha última homenagem
antes que a lápide com seu epitáfio
seja lavada pela chuva
e as flores percam seus perfumes
murchando no campanário
onde seu nome a giz será apagado
sem deixar lembranças
a quem nunca ouviu seu petulante recado

queira ou não tenho que rezar
a única oração que a ela cabe
cá entre nós...
ela sempre foi mais antiga do que sua própria morte
e mais nova do que a vida que agora lhe falta!

sempre foi o olhar de Medusa
a nadja que à Cleópatra o mamilo picou
a pedra que David na funda instalou
a chuva que à Noé e seu zôo molhou
o fio da guilhotina que Robespierre afiou
a fogueira que derreteu Joana d´Arc

foi ela quem inspirou
Santos Dumont, Sabin, Einstein,
E quem inspirará aquele que descobrirá
A vacina contra AIDS

...e apesar de tudo isso,
Continuará não servindo para nada
Embriaga alicia enlouquece e mata
É uma idéia que se materializa
Naquilo que dela escapa

Que Deus tenha misericórdia de sua alma
E salve para sempre sua beleza infantil
Que Deus salve a poesia que ilumina a vida
E reconhece na morte uma sublime partida

...talvez ela seja só a lembrança
de uma infância que leva toda criança
a inventar cada um dos brinquedos
com os quais no futuro
vai querer continuar a brincar...

aquela poesia
que um dia saiu pelas ruas
hoje, não vai mais à luta
nem tem mais para onde ir
não tem mais por que partir
nem sabe do que fugir
nem quer se iludir nem iludir

a poesia que agora morre
cansou de morrer de rir
descansou de sua agonia infinda
e morta em vida
como que recém parida
mandou o mundo à merda
e foi se divertir por ai!

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