domingo, 14 de março de 2010

O ATOR - Plínio Marcos

Conheci esse texto há 5 anos quando passava pela Av. Rio Branco e vi que tinha uma pequena exposição sobre o Plínio Marcos no Teatro Glauce Rocha. Dei uma olhada e peguei um programa.(tenho mania de guardar programas de peças, exposições... mania chata que entope minhas gavetas!)
No programa tinha esse texto: O ATOR
Eu li e chorei, chorei. Fiquei muito emocionada porque estava vivendo um período conturbado no Teatro, um pouco revoltado até. Estava em crise.
Foi ai que fui parar na poesia e senti-me livre das amarras que estava sentindo no Teatro. A poesia me ofereceu uma liberdade tão grande que virei até poeta. Sou uma trabalhadora da poesia e serei para sempre militante desse movimento. Agradeço muito por tudo que conheci e vivi através dela. As pessoas, as palavras, as possibilidades, a dureza e a beleza da vida.
Hoje estou retornando ao Teatro de verdade. Na poesia eu interpreto, danço, faço performances... uso minha atriz. Mas agora estou falando de Teatro, Teatro mesmo. Um reencontro especial e difícil, pois novamente estou tendo que me enfrentar de forma absoluta. Agora encontrei o Teatro que tanto procurei, desejei. Aquele ímpeto primário de quando iniciei meus estudos, intenso, profundo, livre de sistemas.... tantos desejos... tanta força. Sei lá. Estou no caminho. E sei que é o certo. Sinto-me perdida ainda.
Bom, nesse exato momento, arrumando minhas coisas, encontrei o programa da Exposição do Plínio Marcos... e o texto O ATOR. Veio a calhar. Momento oportuno para as minhas reflexões e minha fase de transição. De tempos em tempos aparecem esses tempos nublados, confusos, de trocas, mortes e renascimentos.


O ATOR

Por mais que as cruentas e inglórias batalhas do cotidiano
tornem um homem duro ou cínico
a ponto de fazê-lo indiferente às desgraças e alegrias coletivas,
sempre haverá no seu coração,
por minúsculo que seja, um recanto suave onde ele guarda
ecos dos sons de algum momento de amor já vivido.

Bendito seja que souber dirigir-se
a esse homem que se deixou endurecer, de forma a atingi-lo
no pequeno porém macio núcleo da sua sensibilidade.
E por aí despertá-lo, tirá-lo da apatia, essa grotesca forma
de autodestruição a que por desencanto ou medo se sujeita.
E por ai inquietá-lo e comovê-lo para as lutas comuns da libertação.

O ator tem esse dom.
Ele tem o talento de atingir as pessoas
nos pontos onde não existem defesas.
O ator, não o autor ou o diretor, tem esse dom.
Por isso o artista do teatro é o ator.
O público vai ao teatro por causa dele.
O autor e o diretor só são bons na medida
em que dão margem a grandes interpretações.

Mas o ator deve se conscientizar de que é um Cristo da humanidade:
seu talento é muito mais uma condenação do que uma dádiva.
Ele tem que saber que, para ser um ator de verdade,
vai ter que fazer mil e uma renúncias, mil e um sacrifícios.

É preciso coragem, muita humildade e, sobretudo,
um transbordamento de amor fraterno para abdicar da própria
personalidade em favor de seus personagens
com a única intenção de fazer a sociedade entender que
o ser humano não tem instintos e sensibilidades padronizados,
como pretendem os hipócritas, com seus hipócritas códigos de ética.

Amo o ator nas suas alucinantes
variações de humor, nas suas crises de euforia ou depressão.
Amo o ator no desespero de sua insegurança,
quando ele, como viajor solitário,
sem bússola da fé ou da ideologia,
é obrigado a vagar pelos labirintos de sua mente,
procurando, no seu mais secreto íntimo,
afinidades com as distorções de caráter do seu personagem.

Amo o ator mas ainda quando,
depois de tantos martírios, surge no palco com segurança,
oferecendo seu corpo, sua voz, sua alma, sua sensibilidade
para expor, sem nenhuma reserva,
toda a fragilidade do ser humano reprimido, violentado.

Amo o ator por se emprestar inteiro
Para expor os aleijões da alma humana,
Na tentativa de que o público se compreenda, se fortaleça
e caminhe no rumo de um mundo melhor,
a ser construído pela harmonia e pelo amor.

Amo o ator consciente
de que a recompensa possível não é o dinheiro, nem o aplauso.
Mas a esperança de poder rir todos os risos
E chorar todos os prantos.
Amo o ator consciente de que no palco,
Cada palavra e cada gesto são efêmeros,
pois nada registra nem documenta sua grandeza.

Amo o ator e por ele amo o teatro.
Sei que é por ele que o teatro é eterno
e jamais será superado por qualquer arte
que se valha da técnica mecânica.

Plínio Marcos

3 comentários:

Ediza Martins disse...

E abrem-se as cortinas

Maria Laura Cravo disse...

Parabéns para a gente mminha amiga,que a gente continue mergulhando neste universo que poucos entendem. Mas quando assistem, gostam muito. E nós, vivemos aprendendo e nos soltando poesia.

Laurinha

Unknown disse...

Betina,

Depois de muitos anos ouvi o Rolando
Boldrin declamando a parte final
desse poema e procurei na google.
Acessei o seu blog, copiei juntamente
com o seu texto e enviei a alguns amigos com o link do seu blog.
Parabéns pelo seu texto e espero que
esteja muito bem.

Maurício Rodrigues de Souza